Opinião
Patrimônio, desenvolvimento, feriado e turismo
Por Sandro Mesquita
Coordenador da Central Única das Favelas (Cufa) Pelotas e Extremo Sul
[email protected]
Há muito ouço histórias dos meus antepassados aqui no Brasil, todos espalhados por esse País com dimensões continentais. Nem todas as histórias eram contadas da forma correta, algumas histórias nem conheci, outras ainda vou conhecer. Existem histórias mais próximas relacionadas ao nosso Estado, ao nosso Município, à nossa família. Histórias compartilhadas em rodas através da oralidade, histórias contadas por amigos, familiares, parentes, contadas nas escolas, nas militâncias, através de musicas e arte. Enfim, histórias que juntas e cultivadas formam uma memória importante e significante para um povo como para toda sociedade que se constrói a partir disso, para além das dissertações sobre o objeto científico, literário ou artístico, mas algo fundamental para o fortalecimento social.
Essa memória, esse patrimônio material e imaterial advindo do povo negro do extremo sul, mas especificamente de Pelotas, que já serviu de inspiração para muitos escritos, livros de diversos autores nas mais distintas linhas de raciocínio e correntes teóricas, têm sua materialização nas manifestações populares desde antes das charqueadas, mas nelas também, passando pelas olarias, plantios de pêssego e outros plantios, na culinária nas comidas e doces, nas festas como carnaval, passando pela black music e suas ramificações até chegar ao rap, nos terreiros, na literatura negra, nas vestes, moda e beleza, nos trabalhos manuais, nas pinturas e em todas as atividades que encontramos resquícios do protagonismo do povo negro.
E por que não valorizar isso tudo bem mais? Por que não potencializar isso tudo muito mais? Porque não dar a devida importância a historicidade que construiu essa cidade e região?
Tudo o que consigo colocar em 3.500 caracteres e um pouco do que, há quase 200 anos, boa parte do povo pelotense, mais de 50%, vêm tentando construir com suas lutas, construções e resistências. Ao longo desse período, entraram governos, saíram governos, se perpetuaram governos e parece ter faltado coragem pra bater no peito e dizer: "precisamos reconstruir nossa história, precisamos avançar, evoluir, progredir, desenvolver e isso passa diretamente por grande parte da nossa população que aqui foi subjuga e maltratada, mas que precisa de mais atenção pra se desenvolver e continuar escrevendo sua história e da nossa cidade junto com todos os outros povos".
Vejo tantas cidades que fazem da sua história um "produto" e vendem em forma de turismo e desenvolvimento econômico.
Para além dos Barões do Charque, das indústrias de Conservas, dos Doces de Pelotas, existe hoje um feriado Nacional do dia 20 de novembro que, embora tenha sido implantado há anos e revogado pela força do comércio, precisa ser pensado, planejado e executado. Se a questão é a economia da cidade, pensemos desde hoje como não transformar isso em um palco de brigas políticas partidárias, mas sim como fazer disso uma possibilidade turística e de desenvolvimento com todos os componentes e fundamentos que não temos como desassociar com a Princesa Preta que é a cultura e história do povo que sofre com o apagamento histórico, com a desindustrialização e, ainda, o impacto negativo do pós abolição, ou seja, com todas as ausências possíveis de infraestrutura que perpetuam até hoje.
A virada do jogo está na boa vontade política e nos movimentos sociais negros, ou seja, compilando tudo que já foi desenvolvido, todas as tentativas e iniciativas e construindo um grande projeto de desenvolvimento econômico e turístico para a cidade a partir da sua história que não pode ser relegada e precisa ser potencializada.
Carregando matéria
Conteúdo exclusivo!
Somente assinantes podem visualizar este conteúdo
clique aqui para verificar os planos disponíveis
Já sou assinante
Deixe seu comentário